Rodado a quente com uma câmera Mini-DV, em 2018, sem grandes preparativos mas com muito suor e cerveja, Sessão Bruta se apresenta como uma sucessão de prólogos de um filme sempre por fazer.O que as une é o desejo de pegar para si uma fatia do mundo.

“Filme em transição”, manifesto contra-hegemônico - contra as hegemonias de gênero, orientação sexual, raça, classe e da própria noção de autoria - “Sessão Bruta” é um filme que se abstém de falar sobre para investir no gesto de criar com. Gabriela Luíza, mulher cis e branca que assina como Ela Ltda., abrindo mão do nome próprio para indicar o caráter coletivo de seus processos criativos, convida as artistas do Coletivo Talavistas, formado por mulheres trans e travestis negras, não para atuarem em filme de sua direção, como personagens, mas para tomarem a cena da direção, co-assinando a realização da obra. Muito mais do que denunciar a violência que assola pessoas trans no Brasil, fixando representações e sobredeterminações, o filme investe assim em práticas de colaboração, partilha, construção coletiva, escuta e diálogo. Trata-se de enfrentar qualquer discurso monolítico e sistemático, em favor do heterogêneo, da multiplicação de vozes e dos modos de existência, recusando a ordem e acolhendo o caos, em exercícios livres e poéticos. Dessa vez, as grandes teses sociais darão espaço aos corpos como manifesto, à performance como discurso e à assinatura coletiva como prática de descentramento e partilha. Com sua “inventividade cosmopoética múltipla e transformadora”, como bem destaca o texto que acompanhou a premiação do filme pelo júri da crítica, na Mostra de Cinema de Tiradentes em 2022, o filme confronta “o embrutecimento de um mundo fundado na violência contra vidas trans e negras”, encenando práticas de fuga, aquilombamento e refúgio”.