cinema urbana
A mostra on-line tornou-se uma atividade quase inevitável para os festivais de cinema desde que a pandemia nos colocou definitivamente diante das conexões pela tela e percebemos a oportunidade de acessar conteúdos em lugares não imaginados. Para a quarta edição da Mostra Cinema Urbana, a ser realizada presencialmente no Cine Brasília, de 17 a 21 de agosto de 2022, iniciamos uma parceria com a Embaúba Play, plataforma de streaming de cinema brasileiro, para apresentar uma curadoria com 11 filmes selecionados a partir do acervo do cinema brasileiro contemporâneo reunido na plataforma. Cinema Urbana se envolve na parceria para estimular a valorização desse conteúdo. Os filmes foram escolhidos por sua amplitude temática e temporal, que transitam entre paisagens de várias cidades brasileiras, mas que, ainda assim, são paisagensinteriores, internas de arquiteturas, internas se considerarmos a imensidão territorial do país, e internas pelos mundos individuais que encenam. Em Moto-perpétuo (2013), filme de João Borges, o sertão mineiro e a cidade do interior Cemitério do Peixe são cenários para apresentar, por imagens experimentais e seres fantásticos, a espiritualidade que escapa dos corpos e instiga imaginários. O recurso de utilizar personagens caracterizados que representam espiritualidades, ou outras faces para encarar um mundo “entre mundos”, também aparece em Escape from my eyes (2015), de Felipe Bragança, filmado em Berlim para retratar a situação de um campo urbano de refugiados. São recursos cinematográficos que encenam possibilidades de enfrentamento de realidades complexas.
Em Silêncio (2006), Sérgio Borges – diretor que também está presente na mostra presencial com seu longa O céu sobre os ombros (2011) apresenta uma paisagem que transita do rural ao urbano. A natureza, a chuva e o silêncio se mesclam em paisagens fluidas que não deixam escapar a presença sonora incômoda e visualmente poética que o silêncio impõe. A paisagem sonora também se sobressai em A fuga da mulher gorila (2009), dos diretores Marina Meliande e Felipe Bragança que, ao ter o som do ambiente ampliado – o mar, o vento, os carros que passam pela rodovia, a música – a ponto de se sobrepor sistematicamente aos diálogos, empresta ao espectador a atmosfera do trajeto percorrido pelas irmãs errantes. Mas a cidade chama para sair e os corpos ocupam as ruas e se expõem ao conflito. O curta-metragem A reinvenção da rua (2003), de Helena Ignez, faz uma imersão pela obra de arte/intervenção urbana criada pelo artista norte-americano Vito Acconti que, utilizando um viaduto como teto, incorporou diversas funções para a população de rua. A montagem ajuda a construir uma narrativa sobre como essa obra-ação se insere no complexo tecido social e urbano do centro de São Paulo. É também sobre a matéria social nos espaços urbanos que reage à especulação imobiliária, ao capital, ao status, que se debruçam os filmes Um lugar ao sol (2009), de Gabriel Mascaro, Banco Imobiliário (2016) de Miguel Antunes Ramos, que assina também a direção de A era de ouro (2014), com Leonardo Mouramateus. Em Ressurgentes: um filme de ação direta (2014), de Dácia Ibiapina, as ações diretas e de forças contraditórias encontram, como território para se confrontar, os amplos espaços simbólicos da esplanada de Brasília.
Complementam essa mostra dedicada à arquitetura e às cidades, os dois longas Amor, plástico e barulho (2013), de Renata Pinheiro e A vizinhança do tigre (2014), de Affonso Uchôa. Ambos apresentam um micro território de uma comunidade, inserido na grande metrópole (Recife e Belo Horizonte) e as perspectivas de futuro das personagens que se apresentam paralelamente à uma perspectiva da cidade onde se inserem – seja pela visão panorâmica à distância enxergada das lajes de Contagem, ou pela construção dos grandes edifícios que se erguem ao fundo das cenas em Recife. Os garotos de Contagem tentam salvar-se do futuro certo de desalento e as garotas de Recife buscam reconhecimento onde tudo é descartável, inclusive as relações humanas. Diante da proposta curatorial que guiou toda a programação da Cinema Urbana – Mostra, Seminário, Ocupação artística e Mostra online – de “Imaginar Mundos Possíveis”. O conteúdo selecionado pela Cinema Urbana dentro do universo generoso da Embaúba Play, se concentra na realidade brasileira, sua complexidade e grandiosidade, para convidar a olhar para nossas cidades, suas possibilidades e nossos desejos e ações sobre elas.