Marcellvs L.
O trabalho de Marcellvs L. transita na linha fronteiriça entre presença e ausência, consistência e inconsistência de realidade. Ele da indícios do espaço indecisório entre 0 e 1 ou, a partir de um viés filosófico, entre o Nada e a realidade. O cálculo infinitesimal examina os intervalos (infinitesimais) infinitamente pequenos nas diversas áreas da matemática. Penso que o trabalho de Marcellvs faz o mesmo. Mas o faz com os recursos da arte. Podemos distinguir dois registros; o registro da finitude (que é a realidade constituída, o mundo dos números reais) e o registro da infinitude (que descreve a irrealidade do zero ou do Nada). Traduzido para as categorias de Lacan, seria essa a diferença entre realidade e real. Tudo se define a partir da diferenciação dessas duas ordens, das quais a primeira demarca consistência e a segunda, inconsistência.
Creio que Marcellvs, em suma, insista na indefinição entre os registros de consistência e inconsistência. A cada vez, os seus filmes apontam para a linha divisória fantasmagórica, que tanto une quanto separa esses registros. Daí o traço fantasmagórico de seu trabalho. Chão e abismo se fundem. Realidade e irrealidade se entrecruzam e, na medida em que se entrecruzam, geram uma zona intermediária fantasmagórica, que faz com que nossas certezas passem a oscilar. Portanto, falaria de uma ontologia implícita na obra de Marcellvs. A ontologia trabalha com o ser e com a presença. Ela o faz, diferenciando a esfera do Ser da esfera do Nada, por exemplo já em Parmênides. Ser e Nada, presença e ausência são categorias fundamentais da ontologia. Mas a filosofia do século XX, na sequência de Nietzsche, articulou-se como uma filosofia crítica da metafísica, questionando a ontologia. A desconstrução que Derrida faz da metafísica logocêntrica é a desconstrução da correlata ontologia da substância e do sujeito. Ela se dá através da junção das categorias da presença e da ausência. Presença sempre é, também, ausência. Só existe presença enquanto presença absenteísta. A categoria do desaparecimento torna-se central. Deleuze, por sua vez, fala do devir. Ambos, Derrida e Deleuze, reportam-se a Maurice Blanchot, cuja literatura (como alguns textos e filmes importantes de Marguerite Duras) abre um espaço fantasmagórico, que é o espaço indecisório entre o Ser e o Nada. É a zona fantasmagórica de uma instabilidade ontológica generalizada.
A realidade mostra-se como promessa de consistência que, no entanto, é quebrada. A realidade é uma ficção, uma narrativa. É uma espécie de tessitura com falhas, pelas quais sempre vemos transparecer a sua própria inconstância. Deleuze chamou essa tessitura de Plano de Imanência, Wittgenstein a chama de Forma de Vida ou Jogo de Linguagem. Lacan fala da Ordem Simbólica. Em todos os casos, trata-se de arquiteturas suspensas, estendidas como redes frágeis sobre o abismo da inconsistência, que Deleuze, no esteio de Nietzsche, chama de Caos. Os trabalhos de Marcellvs apontam para dentro desse caos. E o fazem com grande precisão.
Marcus Steinweg