embaúba play convida Marcelo Ikeda
Esta curadoria surgiu a partir de uma proposta da Embaúba Filmes para promover um recorte de filmes baseado no livro de minha autoria “O cinema independente brasileiro contemporâneo em 50 filmes”, publicado em 2020 pela Editora Sulina.
No livro, procurei passar em revista diversas tendências do cinema brasileiro dos últimos 20 anos a partir de uma seleção de 50 filmes. É importante que o leitor perceba que não se trata de uma seleção dos “melhores filmes” ou mesmo dos filmes “mais representativos” do período. Nessa seleção, uma das principais chaves era oferecer uma oportunidade ao leitor para travar contato com filmes não tão conhecidos do grande público mas que expressam a inventividade do cinema brasileiro dos últimos anos. Sabemos que os canais de distribuição para os filmes brasileiros permanecem bastante estrangulados. Um dos maiores desafios do cinema brasileiro independente é conseguir furar esse bloqueio econômico imposto pelos grandes conglomerados midiáticos para que seja, de fato, visto pelo público. Muitos dos filmes citados circularam apenas no circuito de mostras e festivais de cinema, ou, quando foram lançados comercialmente, num circuito bastante restrito.
Entre os filmes selecionados, busquei destacar obras que apontam para diversas tendências de renovação estética do cinema brasileiro dos últimos anos. Entre elas, podemos destacar: a relação orgânica entre documentário e ficção, ou a indiscernibilidade entre suas fronteiras; a ênfase nas “dramaturgias do comum”, sobre pequenos momentos do cotidiano ou as relações familiares; a presença dos filmes de coletivos cinematográficos, em torno dos temas da amizade e do afeto; um cinema de observação, que promove uma revalorização dos pequenos gestos, dos silêncios e dos tempos de espera; a presença de filmes-ensaio, filmes-de-arquivo ou de filmes em primeira pessoa; o ingresso de outros agentes na realização de filmes, como filmes universitários, filmes de realizadores das periferias e do interior do país; a recusa à apresentação de questões sociais e políticas a nível macro, apartando-se da espetacularização da violência para dar lugar à busca por um cinema social afirmativo em torno das micropolíticas; o diálogo ambíguo com o cinema de gênero, em especial utilizando elementos do terror ou do cinema fantástico. Busquei também apontar para um cenário de diversidade geográfica dos filmes brasileiros, para além do eixo econômico Rio de Janeiro-São Paulo, em especial a inventividade dos filmes do Nordeste. Além disso, busquei selecionar também curtas-metragens, apontando para a contribuição inventiva do formato, problematizando uma suposta hierarquia que privilegia exclusivamente o longa-metragem.
O desejo do livro, portanto, não foi o de propriamente promover um olhar panorâmico sobre o que foi o cinema brasileiro dos últimos anos, mas oferecer um recorte específico – a partir de instrumentos analíticos que conjugam um olhar pessoal (inevitável) com uma análise crítica conjuntural – que jogue luz para um conjunto de filmes e realizadores notáveis que mereceriam ser mais discutidos ou conhecidos, para além de seu restrito circuito de legitimação. Parto, portanto, desse desejo provocativo de apontar que muitos dos filmes brasileiros mais inventivos e criativos dos últimos tempos permanecem pouco conhecidos do grande público – ou bem menos conhecidos do que deveriam ou poderiam ser. Entre muitos outros exemplos, estão filmes como Pinta (2013), de Jorge Alencar, ou Pulsações (2011), de Manoela Ziggiatti.
Por isso, acredito que a exibição na Embaúba Play é extremamente coerente com a proposta do livro, visto que esta plataforma vem se especializando justamente no mais inventivo cinema independente brasileiro que está fora dos grandes canais de visibilidade. Serão exibidos 26 filmes entre os 50 selecionados para o livro. Mas muitos outros títulos também poderiam ter sido selecionados, como uma longa lista ao final do livro sugere. Esta seleção não tem como objetivo propor um “novo cânone” para o cinema brasileiro, mas, ao contrário, visa alargar o cânone para incorporar e incluir outros objetos, corpos, lugares e perspectivas. Meu desejo é que este seja, portanto, um ponto de partida para a descoberta e a reflexão sobre outros olhares do nosso tão querido cinema brasileiro.
*MARCELO IKEDA atua no campo do cinema nas áreas de realização, crítica, curadoria e formação. Doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com bolsa-sanduíche na Universidade de Reading (Inglaterra), é professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC) desde 2010. Como realizador, dirigiu diversos curtas-metragens e o longa Entre mim e eles (2013). Crítico de cinema, filiado às associações brasileira e cearense de críticos de cinema (Abraccine e Aceccine), mantém o site cinecasulofilia.com desde 2004, além de colaborar em diversos outros veículos na internet. Atuou como curador na Mostra do Filme Livre, Festival de Brasília (2014), Mostra Gostoso de Cinema (RN), Circuito Penedo de Cinema (AL), entre outros. Foi coordenador-geral das Mostras Cinema de Garagem (Caixa Cultural RJ 2012, Centro Cultural Dragão do Mar CE 2014) e do Cine Nordeste (Caixa Cultural CE 2017), além dos cineclubes Cine Caolho (2012/13) e Cine Rebuceteio (2017). Trabalhou na Ancine entre 2002 e 2010, como Assessor da Diretoria e Coordenador das Superintendências de Desenvolvimento Financeiro e de Acompanhamento de Mercado, e presidiu a Câmara Setorial do Audiovisual Cearense (2015/16). Autor de 11 livros, entre escritos e organizados, entre os quais estão “Cinema de garagem” (com Dellani Lima, 2011), “Cinema brasileiro a partir da retomada” (Ed. Summus, 2015), “Fissuras e fronteiras: o Coletivo Alumbramento e o cinema contemporâneo brasileiro” (Ed. Summus, 2019) e “Utopia da autossustentabilidade: impasses, desafios e conquistas da Ancine (Ed. Sulina, 2021). Mais informações em www.marceloikeda.com