embaúba play convida Talita Arruda
“O incêndio da noite de ontem é mais um motivo pelo qual não podemos esperar para dar um basta à política de terra arrasada e de apagamento da memória nacional! Estamos em luto, pela perda de mais de meio milhão de brasileiros, e agora pela perda de parte da nossa história. Incêndio na Cinemateca Brasileira em 2016, no Museu Nacional em 2018 e, novamente, na Cinemateca em 2021. Além de todas as mortes evitáveis, nossa história vem sendo continuamente extirpada – como um projeto. Infelizmente, perdemos mais uma parte do patrimônio histórico cultural brasileiro.”
Manifesto dos trabalhadores da Cinemateca Brasileira sobre o incêndio na unidade da Vila Leopoldina, publicado em 30 de julho de 2021
“Causam incêndios para se livrarem de quem não gostam, desde inimigos pessoais e qualquer um que pareça estrangeiro ou etnicamente diferente. As pessoas causam incêndios porque estão frustradas, bravas, sem esperança. Não têm poder para melhorar a vida, mas têm o poder de deixar os outros ainda mais arrasados. E o único modo de provar a si mesmo que você tem poder é usando-o.”
A Parábola do Semeador, Octavia E. Butler
Abro esta conversa com a companhia de Octavia Butler e dos trabalhadores da Cinemateca Brasileira para unirmos forças na luta contra este criminoso projeto de extermínio, genocídio e apagamento em curso no nosso país.
Agradeço imensamente e peço licença às equipes de realização aqui em conversa, pela presença em seus filmes, especialmente: Dácia Ibiapina; Ana Carolina Soares; Genito Gomes, Valmir Gonçalves Cabreira, Johnaton Gomes, Joilson Brites, Johnn Nara Gomes, Sarah Brites, Dulcídio Gomes, Edna Ximenes; Carol Rodrigues; Thamires Vieira; Ana Bárbara Ramos; Deo Cardoso e demonyas do Carnaval no Inferno.
Aprendo muito com estes filmes, com as especificidades de seus formatos de curta e média-metragem e com suas equipes. Me fio no desejo de que possíveis diálogos a partir do encontro com eles sejam armas para a nossa luta, nos permitindo permanecer firmes na nossa atuação e presença no audiovisual e além mundo. Revisitá-los, através do convite de Daniel Queiroz e Fabio Savino, é acessar a memória de nosso audiovisual, extremamente potente, que fala de nossas dores, mas também de nossas curas. Vamos juntes, no exercício de abrir e costurar possíveis rotas de fuga.
Abro a conversa com os universos de Sweet Karollyne, de Ana Bárbara Ramos e O dia que ele decidiu sair, de Thamires Vieira, filmes de diretoras que admiro muito e que me atravessam afetivamente com suas presenças. Seus filmes se dispõem à escuta ativa, evidenciam relações de trocas que afetam e se deixam afetar. Falam sobre sonhos, finitude, deslocamentos e nossas relações com o mundo de uma forma generosa, forte e acolhedora.
Celebrando o valor espiritual das terras e territórios, seguimos com as narrativas de Ava Yvy Vera – Terra do Povo do Raio, de Genito Gomes, Valmir Gonçalves Cabreira, Johnaton Gomes, Joilson Brites, Johnn Nara Gomes, Sarah Brites, Dulcídio Gomes, Edna Ximene. O filme exalta a memória dos espaços que transitamos e a luta para manter vivos os saberes, encantos e as vivências dos povos Guarani e Kaiowá, descendentes do coração da terra.
A Felicidade Delas, de Carol Rodrigues, Estado itinerante, de Ana Carolina Soares e Pode me chamar de Nadi, de Deo Cardoso potencializam as forças dos encontros, especialmente em situações de violência. Estes três filmes mapeiam caminhos do trauma do racismo, do fascismo, do machismo e da homofobia e nos libertam das narrativas da violência, permitindo que as protagonistas destas histórias tomem para si suas existências, seus desejos e seus territórios.
“Se nóis fica parado, nóis fica morto”. Veias de Fogo, de Carnaval no Inferno e O Pagode de Amarante, de Dácia Ibiapina, nos trazem a força das festas e das presenças de coletivo e nos convocam a dançar. Com este início de conversa, proponho seguirmos movimentando nossas corpas, territórios de memórias, na ativação de outros mundos possíveis.
As coisas não mudam por si só, a guerra é acirrada e seguimos afrontando juntes. Espero que esta troca flua e respire para outros lugares, que os diálogos entre estes filmes e suas forças de ação sejam acolhidas e vibrem também em vocês.
Talita Arruda