foco Allan Ribeiro
Fazer do cinema uma casa, entrar dentro dele, abrigar-se nele como num espaço de intimidade e invenção – é assim que Allan Ribeiro parece ter escolhido construir sua carreira como cineasta, se observarmos com atenção sua filmografia. Desde que iniciou sua formação em cinema na UFF, já realizou quatro longas, doze curtas e uma série. “O dia da posse” é seu mais recente longa e está em cartaz nos cinemas neste início de novembro de 2024, distribuído pela Embaúba Filmes. O foco aqui apresentado se deixa embalar por esse lançamento para apresentar outros dois de seus longas – “Esse amor que nos consome” (2012) e “Mais do que eu possa me reconhecer” (2015) – e seis curtas, realizados entre 2006 e 2017: “O quebra-cabeça de Sara” (2017), “O brilho dos meus olhos” (2006), “Ensaio de cinema” (2009), “A dama do Peixoto” (2011), “Com vista para o céu” (2011), e “O Clube” (2014).
A começar pelo filme até agora inédito na plataforma, temos o curta “O quebra cabeça de Sara” (2017), filme que aborda o preconceito, em suas muitas peças e nuances, bem ao modo do diretor: na construção rigorosa da proximidade com quem se filma. Desde os enquadramentos, com muitos primeiros e primeiríssimos planos, até a escolha pela captura de gestos cotidianos, há nesse curta traços recorrentes da obra do diretor, indicando uma pesquisa em curso, algo como uma investigação das singularidades humanas, em seus espaços de intimidade e elaboração – seja artística ou existencial, se é que podemos mesmo separar assim esses dois termos.
Em obras anteriores, como “O Clube”, “Ensaio de cinema”, “Esse amor que nos consome” e “Mais do que eu possa me reconhecer”, essa construção da intimidade é ainda mais destacada. São filmes em que o desejo das personagens filmadas orienta o andamento da narrativa, ou poderíamos pensar, filmes em que o desejo de quem filma e de quem é filmado confluem, em exercícios partilhados de criação. Um cinema de encontros, já foi dito. Mais do que encontros, um cinema de abrigo, de acolhimento, que parece feito da necessidade de proteger as relações, de narrar tentativas de conexão e afirmação de desejo.
Por vezes, são tentativas fugidias, como a sugestão do flerte que não se converte em história de amor, em “Com vista para o céu”. Outras, a afirmação do desejo ganha ares oníricos, como o sonho de cantor do operário da construção em “O brilho dos meus olhos”. Há, ainda, o gesto de investir no extracampo, como em “A dama do Peixoto”, filme-retrato de uma personagem que não vemos, apenas adivinhamos pelos relatos que ouvimos dela. É no extracampo, enfim, que o desejo e o sonho encontram morada – e o cinema de Allan nos ensina a adentrar esse espaço de criação, partilha e cuidado com mente, coração e olhos bem abertos, como quem faz uma visita a alguém de quem muito se gosta.