FOCO LEONARDO BARCELOS
Fazendo-se na intersecção entre mídias diversas, artes plásticas, cinema, performance e dança, o trabalho de Leonardo Barcelos apresenta uma capacidade de mover-se pelas mais diferentes telas e espaços. Entre cinema, galerias, festas e, aqui reunidos na plataforma de streaming da Embaúba Play, podem chegar a televisões, computadores e até mesmo celulares. Tal fluidez se faz presente a partir do próprio modo de pensar do vídeo, refletido tanto nas operações de intervenção na imagem proporcionadas pelas tecnologias digitais quanto pelo tipo de relação espectatorial diversa que suporta. Os cinco títulos – Balança mas não cai (Leonardo Barcelos, 2012); Noiva de Deus (Leonardo Barcelos, Hélio Lauar, 2006); Rouge (Leonardo Barcelos, 2003), Anônimo (Leonardo Barcelos, Joana Rennó, 2000) e Nacos de Pele (Leonardo Barcelos, Hélio Lauar, 2009) – refletem a experimentação que se abre a partir do digital e aponta para novos caminhos de pensamento sobre temporalidade, modos de narrar, pensar memória e o próprio cinema. Relacionam-se com uma urgência direta da realização: instrumento de fazer perguntas, de deambular por espaços – ruínas, cidades, naturezas -, de produzir ao alcance das mãos.
Balança mas não cai propõe uma deriva pelo edifício homônimo, bastante conhecido em Belo Horizonte. A partir de relatos de antigos moradores, projeções, performances, imagens de arquivo e de uma narração poética, aproxima-se de uma experiência viva de um espaço que, até então, apresenta-se como ruína. As paredes desgastadas, objetos acumulados, ambientes vazios – como a aparência de um “esqueleto exposto” – dão lugar às memórias, sonhos, complexidades, passagens e tempos dilatados que ali habitaram. Pensa-se a arquitetura como expressão desses elementos, como espaço construído através dos resíduos e histórias que se fazem a partir (e com) ele. O trabalho de imagem de Barcelos lida com o edifício como artifício de memória viva. Ensejo levantado pela pergunta que lança ao início do filme: como os espaços que vivemos interferem nas nossas vidas? E como interferimos nele?
O tempo e a imagem dilatada são aspectos essenciais para pensar também Rouge e Nacos de Pele. Ambos de caráter mais experimental e ligados à videoperformance, apresentam uma observação singular de corpos dançantes. É interessante pensar como tal materialidade (dos corpos) se dissolve em uma montagem que borra os movimentos, inserindo-os em uma outra experiência de temporalidade. Em Rouge vemos a atriz e bailarina Jade Carneiro percorrendo por entre árvores, gramados, rios e espaços indeterminados. A câmera deixa-se encantar por ela, seguindo o fluxo não-linear de seus movimentos. Enquanto o vermelho do vestido dela faz confluir a imagem em sua direção, em Nacos de Pele as cores e texturas se alastram sem uma única referência. Trata-se de uma outra abordagem poética – seguida pela própria narração -, e parte de uma reflexão sobre estados de dissolução de relações afetivas.
Anônimo, assim como Balança mas não cai, reúne uma série de relatos através dos quais reflete acerca de formas de presença e ausência. Centrando-se em torno da questão do trabalho e, mais especificamente, de trabalhos invisibilizados, apresenta cinco episódios – cada um deles, sobre uma pessoa e seu respectivo trabalho: anunciador de comunicados de falecimentos, construtor, cozinheiro, artesã e faxineira. Já Noiva de Deus, através do relato de uma paciente internada no Instituto Raul Soares, abre uma discussão sobre infanticidio e violência contra a mulher. Contando com Hélio Lauar na direção – que compõe a equipe de tratamento da paciente -, realizam uma aproximação sensível de um caso com imensa complexidade. Há espaço para que ela fale com liberdade e de diversos pontos de vista sobre sua história, a partir do qual desdobra-se o seu retrato.
Bárbara Bello