foco Rewald & Ab’sáber
Ao confrontar-se com contextos políticos brasileiros recentes a partir de um olhar questionador, o cinema de Rubens Rewald e Tales Ab´Saber apresenta construções provocativas. O foco reúne quatro filmes da dupla de realizadores, realizados de modo independente, com baixíssimo orçamento: Democracia e amor (Rewald & Ab’Sáber, 2023); Os últimos dias da humanidade (Rewald & Ab’Sáber, 2023), Intervenção – amor não quer dizer grande coisa (Rewald & Ab’Sáber, Gustavo Arantes, 2017) e Sci-fi Saci (Rewald & Ab’Sáber, 2025). Nas obras, destaca-se um trabalho de montagem com materiais de arquivo que apontam para cenários políticos no Brasil e questionam a construção do pensamento em diferentes instâncias e instituições – de assembleias na Universidade de São Paulo, durante as eleições presidenciais de 2018, aos canais de YouTube da extrema-direita. Além disso, as operações de montagem também exploram diretamente o fazer cinematográfico, como em Sci-fi Saci.
Completa o foco #eagoraoque (2020), dirigido por Rubens Rewald em parceria com Jean-Claude Bernardet. No filme, há um trabalho de tensionamento da posição do homem branco intelectual no âmbito da luta política, um pouco na direção de discussões feitas por Jean-Claude Bernardet, que além de dirigir também atua no filme. Quem ocupa a performance do intelectual é Vladimir Safatle, de modo que o trabalho ficcional se amalgama diretamente com a trajetória de pensamento e atuação do filósofo. Entre ambientes de discussão diversos e, muitas vezes, contrários a ele, além de passagens pelo Teatro Oficina, o filme expõe conflitos intransponíveis e questionáveis, reforçando a ideia de impasse presente no próprio título. Nota-se também uma questão geracional, sendo que o filho, interpretado por Valê Ghiorzi, e o pai, interpretado por Bernardet, constantemente apresentam provocações e reflexões distintas sobre os rumos do pensamento político contemporâneo.
Tratando mais diretamente da forte construção midiática no campo da extrema-direita, Intervenção – amor não quer dizer grande coisa, resultado da parceria da dupla de realizadores com Gustavo Arantes, reúne uma série extensa de arquivos de vídeos através dos quais mapeamos toda construção do pensamento fascista que se impôs no Brasil. Olhando para o mesmo projeto político e levando adiante uma reflexão sobre a teatralização da política reacionária, Os últimos dias da humanidade parte do pronunciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, em 2021, na defesa de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid-19, em plena pandemia. Após escutarmos seu discurso na íntegra, o filme opera um gesto contundente ao filmar acampamentos de bolsonaristas pró-intervenção militar, sublinhando a extensão do discurso do presidente a ações práticas e em crescimento pelo país.
Ao contrário de Intervenção e Últimos Dias, Democracia e Amor trabalha com elementos de sobrevida, ainda que permeados por um reconhecimento melancólico da situação política do país. Dividido em sete partes e realizado durante a pandemia, o filme articula referências da cultura popular, da literatura, da música e do cinema, da política e da mídia em geral para explorar contradições sociais históricas. Destaca-se também pelo seu processo colaborativo, reunindo diversas participações que reforçam sua construção coletiva. Prolongando a parceria entre Rewald e Ab’Sáber, a programação apresenta o novo curta-metragem da dupla, Sci Fi Saci. O filme combina imagens de Beyond the Time Barrier (Edgar G. Ulmer, 1960) e O Saci (Rodolfo Nanni, 1951), culminando em uma entrevista com o próprio Nanni. Na conversa, ele relembra a experiência de fazer filmes sem película como parte de sua formação cinematográfica e reflete sobre mudanças no campo de um cinema politicamente engajado.
(Bárbara Bello)