HOMENAGEM A GUILHERME FIUZA ZENHA
OS QUE LUTAM
Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.
Bertolt Brecht
Guilherme Fiuza Zenha atuou por mais de 25 anos como diretor, produtor e instrutor de cinema. Foi, sobretudo, um militante da cultura e do audiovisual brasileiro, particularmente, o mineiro, uma figura central em diversas mobilizações por políticas públicas, dentre elas, a implementação da Lei Paulo Gustavo. Como presidente do Sindicato do Audiovisual de Minas Gerais – SINDAV-MG, cargo que ocupou até sua morte, trabalhou incansavelmente para profissionalização de nosso setor. Como professor, inspirou alunos de Belo Horizonte a Cuba, onde lecionou na Escuela Internacional de Cine y TV (EICTV), além de partilhar seus conhecimentos pelo interior de Minas Gerais, em diversas oficinas e cursos de formação. Parte de seus ensinamentos está reunida no livro escrito em parceria com Júlia Nogueira, O Guia de Elaboração de Projetos Audiovisuais – Leis de Incentivo & Fundos de Financiamento, que recebeu uma 3ª Edição, em 2023, revisada e ampliada. Trata-se de uma das poucas referências disponíveis para quem se interessa em estudar os mecanismos de fomento e as técnicas de elaboração de projetos da área.
Defensor da formação de novas plateias, Fiúza dedicou-se a um gênero pouco explorado no mercado brasileiro: seus maiores sucessos são O menino no Espelho, adaptação do romance de Fernando Sabino, e a animação Chef Jack – o cozinheiro aventureiro, ambos voltados para o público infanto-juvenil. Mais de uma vez declarou seu compromisso em formar novos espectadores, atentos à diversidade e à riqueza cultural de seu próprio país, “sua história, sua língua, seus personagens, suas cores”. Sua ação se concentrava no presente, mas com mira no futuro, daí sua imensa generosidade com as novas gerações, seja pensando em novas histórias para contar a elas, seja trabalhando para desenvolver as habilidades de cineastas em formação.
Fiuza sabia ser duro, sem perder a ternura. Há uns dois anos, topou conversar com uma turma de alunos do curso de cinema e audiovisual do Centro Universitário Una, como avaliador de um pitching organizado na disciplina de Mercado Audiovisual, lecionada por mim. Sua generosidade foi proporcional ao seu rigor, com comentários certeiros e provocadores. Enviei uma mensagem de agradecimento por suas preciosas contribuições, por ter doado seu tempo aos estudantes e ele me respondeu, “espero não ter magoado ninguém…” É, amigo, doeu te ver partir tão cedo. Dessa vez, magoou.
A Embaúba Play, como homenagem póstuma, disponibiliza duas de suas obras: seu primeiro curta, Fui!!! (2004), e seu primeiro longa, O menino no espelho (2014). Apresentar ao público dois marcos inaugurais de seu cinema, neste momento de despedida, é gesto intencional, um convite para nos lançarmos na espiral do tempo: entre o antes e o agora, a inauguração e o fechamento, o tempo sai da linha, faz uma curva, propõe uma nova geometria e, assim, Fiuza permanece entre nós.
(Carla Maia)
Testemunhos
O que falar de um irmão, companheiro de tantas jornadas, que se foi? Guilherme era um profissional talentoso e amigo fiel, daqueles que batalham muito por tudo que acreditam. Serei eternamente grato por todos os aprendizados e pela sua generosidade, responsável pelas minhas primeiras oportunidades no cinema. Com ele tive a felicidade de produzir “O Menino no Espelho”, filme que coroou nossa amizade e caminhada. Espero que em sua passagem tenha encontrado Fernando Sabino, a quem tanto admirava e homenageava como aquele que nasceu homem e se foi menino. Guilherme era também, assim como ele, um eterno menino.
André Carreira, produtor
As pessoas ficam melhores quando morrem. Agora, todos percebem o quanto faz falta como amigo e o tanto que foi importante para o cinema. Mas, sou sincero: o Fiuza era o cara mais chato, mais legal e mais querido que eu conheci. Era impaciente com as pessoas, maníaco com a organização e ansioso com a vida. Apesar do jeito ranzinza, transitou em várias turmas, gerações e lugares diferentes – sempre deixou amigos por onde esteve. Comigo, primeiro, foi o amigo (dos meus amigos) que morava no Rio, em pouco tempo viramos melhores amigos e por longo período fomos sócios, depois parceiros em infindáveis projetos. A gente se falava todos os dias – às 8h da manhã eu já esperava a tradicional mensagem dele: “Bom dia! Bom dia para meter uma bala na cabeça, velho! Tá foda!”. Sem você, Fifi, tendo a concordar: “Bom dia pra quem, porra!”.
Cristiano Abud, cineasta
O Fiuza foi super importante em nossas vidas profissionais e pessoais, era um diretor que trazia um lado profissional e humano muito forte e com isso deixava a todos(as) mais tranquilos e seguros para executar as tarefas. Era uma pessoa que tinha o prazer de doar seus conhecimentos a todos(as) ao seu redor, fazendo com que cada produção fosse única e bem executada. Ele certamente será lembrado pela sua enorme contribuição na Animação Mineira e Brasileira, já está fazendo muita falta. Obrigado por tudo, amigão!
Luiz Fernando de Alencar, produtor
Guilherme foi um grande parceiro e amigo querido. Começou conosco como estagiário, nos anos 1990, querendo saber de tudo e estar presente em tudo. A vocação para o cinema e a vontade de fazer sempre mais e melhor o levaram logo a assumir posições importantes em filmes como Amor&Cia, Uma Onda no Ar, Batismo de Sangue, Pequenas Histórias e outros. Ao longo desses anos, criamos uma relação forte de amizade e confiança, que durou a vida inteira. Mesmo depois que ele passou a cuidar de seus próprios projetos, continuamos trocando ideias sobre nossos filmes e sobre como fazer cinema em Minas. Sinto falta de nossas conversas quase diárias sobre sonhos e pedras nesse caminho que escolhemos para nós.
Helvécio Ratton, cineasta
Como profissional, Guilherme Fiuza Zenha foi diretor, produtor, roteirista, presidente de sindicato, articulador político e praticamente quase todas as outras funções do audiovisual que pedissem a ele, ou que ele tivesse vontade de exercer. Trabalhou com audiovisual por amor ao setor, ao mercado e, principalmente, à causa. Se dedicou incansavelmente a todos os filmes e séries que fez e contribuiu de forma fundamental para projetos de amigos, parceiros e até de desconhecidos. Como professor – ou como instrutor, como ele preferia ser chamado – compartilhou seu conhecimento e suas experiências com generosidade absoluta. Uma trajetória inspiradora, que resultou em um legado a ser continuado!
Como pessoa, o Gui foi um amigo fiel, um companheiro para todas as horas, um homem ao mesmo tempo sensível e durão, que eu tive o privilégio de poder chamar de irmão escolhido na vida. Com certeza, uma saudade que será eterna!
Júlia Nogueira, produtora audiovisual