Sinopse
Inconformados com a decisão judicial que obriga os mascarados da Festa do Divino a saírem com um número de identificação, um grupo deles tenta invadir a prefeitura da cidade. Quatro jovens, trabalhadores de uma pedreira, lidam de maneiras diferentes com a eminência da festa e a exploração do trabalho.
Por que assistir?
O Brasil é largo, profundo. “Mascarados” nos oferece a chance de descobrir um território desconhecido para a maioria dos brasileiros, o interior do estado de Goiás, mais especificamente, uma pedreira na região de Pirenópolis, uma das maiores do país. Entre a etnografia e a encenação, o filme conquista densidade à medida que acompanhamos seus personagens na execução de suas atividades cotidianas, o trabalho na pedreira, o jogo de futebol, as conversas jogadas fora, os tempos vazios em casa ou no entorno da pequena cidade. Aos poucos, pedra por pedra, uma contraditória relação de intimidade e estranhamento é estabelecida entre filme e espectador. Algo bastante opaco resiste ao olhar etnográfico, cuidadosamente captado por Wilsa Esser na fotografia e organizado na montagem sugestiva de Affonso Uchoa:uma sensação de desamparo, melancólica, como se o extrativismo mineral extraísse também algo da potência de vida dos corpos em cena.
Dentre os gestos do trabalho, contudo, nem tudo é extração. O trabalho da fabulação, aqui, surge em pinceladas precisas, traduzido nos planos de confecção das máscaras, no contexto da preparação para a Festa do Divino Espírito Santo, bastante popular na região. Finalmente, extrai-se dos corpos algo além da dureza, ainda que, agora, acrescente-se a eles novo grau de opacidade, materializada nas máscaras que ocultam os rostos dos trabalhadores.
Quem estaria, afinal, mais mascarado, o corpo jubiloso e brincalhão em festa ou o corpo subjugado na pedreira, desamparado e vagante após a demissão pelo patrão? A máscara, neste filme, é índice e metáfora, traço cultural típico da festa popular, mas também símbolo de um modo de vida que torna difícil o reconhecimento de si, do outro, do mundo, tradução precisa da alienação que sustenta o trabalho no sistema capitalista. No escambo final, troca-se a máscara pela arma, uma troca justa, com a qual é possível correr em liberdade.
Uma última observação: Mascarados cresce no contato com outros filmes de nosso catálogo, em especial, com Arábia, também parte do programa “Filmar o trabalho”. A proximidade entre esses dois filmes vai além dos nomes comuns nos créditos - Affonso Uchoa assina direção em Arábia e montagem em Mascarados, Aristides de Sousa atua nas duas obras, ainda que com menor protagonismo no segundo. Essas duas obras primas do cinema brasileiro recente se aproximam pois reacendem e figuram um desejo de luta ou de fuga, que se não resulta em final redentor, ao menos mantém em movimento o pensamento, contra a exploração da força de trabalho que funda estruturalmente a realidade colonial do nosso país.